06/11/2010

"É a tal globalização" [jjLeandro]




Andando na rua, aproximei-me de um desses carrinhos que vendem a espiga de milho assado a um real. Sou fanático por milho, assado, cozido, transformado em pamonha, curau ou bolinhos fritos. Teve milho, encaro até uma polenta. Os vendedores de milho são mais comuns na época da chuva. Escasseiam quando ela vai embora. E como a chuva voltou, eles aos poucos reaparecem nas esquinas da cidade. Pois bem, fiz-me diante de um deles num dia desses.
Estava alegre o vendedor, pôde enfim sair do ócio e curtir o dinheiro miúdo que a economia informal põe em seu bolso todo dia. 'Tudo é trabalho, né, doutor?', alegou. Concordei, mesmo vendo que a resignação é o traço que a vida mais realçava em sua fala diante de tão pouco ganho e de tantos concorrentes. 'Em seu lugar eu já teria soçobrado', elogiei-o enquanto atacava o milho a dentadas. Ele torceu a boca numa munganga, enfiou os dedos pelos cabelos crespos e não teve cerimônia quando disse:  
— Não sei o que é isso que o senhor disse, não. Mas pode ter certeza que a gente é igual erva daninha: desaparece no estio e volta na chuva.
Achei lapidar a sua comparação. A sabedoria popular plenamente demonstrada. Sorri. Ele afastou-se um pouco para atender mais um que chegava. Quando voltou, eu já tinha devorado o milho. Meti a mão no bolso, puxei a carteira e perguntei o preço. Apenas precaução pelos mais de três meses sem ver milho assado na rua. Mas ele surpreendeu-me:
— Um e cinquenta, doutor.
Tive que tornar a moeda à bolsa e entregar-lhe uma nota de dois reais. Junto com ela, a observação:
— Encareceu o milho, hein?
A explicação que ele me deu, surpreendeu-me.
— Pois é, o senhor sabe, a quebra da safra de trigo na Rússia e em outros países europeus empurrou pra cima o preço do milho na Bolsa de Chicago e favoreceu nossas exportações.
— Em suma: a lei da oferta e da procura é a culpada... — atalhei.
— Ainda bem que o senhor entende que a culpa pelo reajuste não é minha.
— Claro...
E ele encerrou o diálogo, depositando uma moedinha de cinqüenta centavos em minha mão:
— É a tal globalização, doutor!


Fonte: Enviado pelo amigo jjLeandro e publicado também em seu blog