Como outros já fizeram, quero também me despedir do trema, cuja morte foi anunciada, por decreto, a partir de 1º de janeiro.
Não uma, mas cinqüenta e cinco vezes, quero me despedir desta acentuação antiqüíssima e usada com tanta freqüência.
Fomos argüídos a respeito?
Claro que não!
A ambigüidade que tínhamos para decidir se queríamos usar o trema ou não numa frase nos foi seqüestrada para sempre.
Afinal, a ubiqüidade do trema nunca nos foi exigida.
Quem deve se beneficiar com esta tão inconseqüente medida?
Creio que tão-somente os alcagüetes, os delinqüentes e os sangüinários, justamente aqueles que não estão eqüidistantes, como nós, dos valores eqüiláteros da Sociedade.
Vocês já se argüiram sobre as conseqüências do fim do trema para os pingüins, os sagüis e os eqüestres?
Estes perderão uma identidade conquistada desde a antigüidade.
E o que dizer do nosso herói Anhangüera, que vivia tranqüilo com o seu nome indígena?
Com a liqüidação do trema, a pronúncia do seu nome não será mais exeqüível.
Os nossos papos de chopp nunca mais serão os mesmos, pois a tão freqüente lingüicinha acebolada vai desagüar num sangüíneo esquecimento.
O que vai acontecer com o grão-de-bico com gergelim, agora sem o liqüidificador para prepará-lo?
Ah, meu Deus!
Tenha piedade de nós!
Nunca mais poderemos escrever que “a última enxagüada é a que fica”!
Não sei se vou agüentar a perda da eloqüência, em termos de estilo literário, que o trema trazia à última Flor do Lácio.
É preciso que averigüemos se haverá seqüelas futuras!
E para onde vai a grandiloqüência dos lingüistas?
Haja ungüento para suportar tamanha dor!
O que podemos esperar em seqüência?
Será que não se poderia esperar mais um qüinqüênio para que fossem melhor avaliados os líqüidos benefícios desta mudança?
Portanto, pela qüinqüagésima vez, a minha voz exangüe se une à dos bilíngües e trilíngües como eu, cuja consangüinidade lingüística e contigüidade sintática se revolta ante tamanha iniqüidade.
Pedir que nos apazigüemos, para mim é inexeqüível, pois falta-nos tranqüilidade diante de tamanha delinqüência gramatical.
Portanto é com dor no coração que lhe dou este meu adeus desmilingüido.
Adeus, meu trema querido!
Mas pelo menos uma coisa me dá paz, pois, quando a saudade bater, sei que vou poder revê-lo quando estiver lendo alguma coisa em alemão.
(Autor desconhecido)