03/03/2010

Cotas: dois pontos, diversas discussões

Começa hoje uma série de audiências públicas no Supremo Tribunal Federal (STF) para debater um assunto polêmico: o destino das cotas no país. O ministro Ricardo Lewandowski, relator dos encontros, selecionou especialistas para apresentarem, durante três dias, argumentos contra e a favor das cotas. Porém, o debate vai além desse dois pontos. Os convidados irão defender também a autonomia das universidades, o fim das cotas para negros e criticar o desvirtuamento do espírito do programa, por exemplo.

O reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares e presidente da Sociedade Afro-brasileira de Desenvolvimento Sociocultural (Afrobras), José Vicente, estará lá para defender o sistema de cotas. Segundo Vicente, esse é um instrumento positivo para a inclusão e a transformação da participação dos cidadãos negros na vida social. Além disso, como destacou, o sistema, que já está instalado em 68 universidades, tem sido importante para mostrar ao país a verdadeira separação racial e implementar medidas objetivas para superar esse estado. “Nós precisamos construir um país onde valores, sejam eles de igualdade, oportunidade ou justiça, sejam reais e objetivos. E se, atualmente, os números continuam apontando que o Brasil é dividido em dois, um de negros e outro de brancos, sendo os negros na base da pirâmide, não restam dúvidas de que precisamos implementar medidas para superar essa triste realidade”, lamentou.

Além de defender as cotas, Vicente disse que o país precisa criar mais medidas para que seja eliminada a possibilidade de apenas alguns brasileiros poderem participar de determinadas atividades sociais. Segundo ele, é preciso aumentar a participação dos negros na política e criar um documento em defesa dessa parte da população. “Temos, hoje, estatutos que defendem a criança e o adolescente, dão garantias aos índios, priorizam os deficientes e protegem as mulheres. Portanto, quando falamos de um caso que diz respeito à metade da população, que sofre enorme preconceito, que são os negros, ninguém defende a criação de um estatuto. Isso é um absurdo. Então, eu imagino que um país com cidadãos que tenham interesse em viver em democracia precisa lutar hoje para que essas ferramentas estejam para os desfavorecidos”, completou.

A posição da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) será em defesa da autonomia universitária, ou seja, a favor da Constituição Federal que garante autonomia acadêmica de gestão administrativa e financeira. De acordo com o presidente da associação, Alan Barbiero, cada estado e universidade tem suas características e, diante delas, devem garantir o direito de adotar ou não uma política afirmativa. “Nós sabemos que essas ações são no sentido de repor perdas históricas, principalmente pelo preconceito, de um determinado grupo social. Então, algumas universidades defendem que a instituição pode colaborar no sentido de resgatar essas perdas. E outras defendem que devem ter uma ação mais global”, afirmou.

De acordo com Barbiero, apesar de a Andifes não ser nem contra e nem a favor das cotas, são muitas as universidades que já decidiram adotar as ações afirmativas. “Não tenho números, mas o país já tem várias experiências, entre elas a da Universidade de Brasília, com cotas para negros, e a Federal de Tocantins, com cotas para os índios. Todas funcionam bem”, afirmou.

Já a advogada do Movimento Contra o Desvirtuamento no Sistema de Cotas, Wanda Gomes Siqueira, vai sustentar uma tese diferente, sobre os problemas no espírito do programa. Ela explica que universidades, como a do Rio Grande do Sul, estão praticando atos irregulares e acabando com o verdadeiro objetivo do sistema, pois nas vagas de cotistas declarados, estão ingressando estudantes com excelente padrão socioeconômico. “As vagas destinadas aos negros não estão sendo preenchidas e as destinadas aos estudantes hipossuficientes, sejam eles brancos ou negros, são ocupadas por aqueles que estudaram em excelentes escolas públicas, como o colégio militar, e são filhos, por exemplo, de médicos e advogados. Ou seja, não precisam de cotas”, explica.